Nas últimas semanas, quem procurou atendimento pediátrico em uma unidade pública de saúde no Distrito Federal provavelmente se deparou com filas, demora, superlotação e, em muitos casos, falta de médicos. E essa não é uma coincidência. É o resultado direto de uma política de desvalorização e sucateamento do serviço público de saúde que, infelizmente, se repete ano após ano.
Todos os anos, o aumento de casos de doenças sazonais infantis — como as síndromes respiratórias — impacta fortemente o sistema público de saúde. Como o próprio nome diz, são doenças sazonais, previsíveis, e que deveriam ser enfrentadas com planejamento, reforço de equipes e ampliação da estrutura de atendimento. Mas o que vemos é sempre o mesmo cenário: colapso, desassistência e desespero.
Entre abril de 2014 e fevereiro de 2025, o número de pediatras concursados no DF caiu de 684 para apenas 448. Isso representa uma perda de mais de 34% desses profissionais nas unidades de saúde sob gestão direta da Secretaria de Saúde do DF. No mesmo período, a população cresceu, as demandas aumentaram — especialmente com o avanço das doenças respiratórias em crianças —, mas o investimento na contratação de profissionais simplesmente não acompanhou essa realidade.
Os dados são alarmantes: entre a primeira semana do ano e a 14ª semana (31/03 a 06/04), os atendimentos por síndromes gripais na rede pública saltaram de 2.202 para 7.682. O número de casos entre crianças de 29 dias a 3 anos de idade passou de 307 para 1.860 — um aumento de mais de 500%. E, mesmo assim, a resposta da gestão tem sido tímida, quando não completamente ineficaz.
A taxa de ocupação dos leitos de UTI pediátrica na rede pública chegou a 98,5%, e nas UTIs neonatais, a 97,65%. A sobrecarga é visível, gritante. E a dor dos pais e a exaustão dos profissionais, também.
No fim de semana passado, por exemplo, cenas de desespero e revolta tomaram conta do Pronto-Socorro do Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB). Indignadas com a longa espera e a falta de atendimento, famílias que aguardavam atendimento para suas crianças doentes arrebentaram uma das portas de aço da emergência. Uma mulher chegou a invadir a área restrita da unidade de saúde. O hospital, segundo relatos, estava superlotado e só atendia casos graves: o que gerou tensão e episódios de violência, colocando em risco tanto os pacientes quanto os profissionais que ali atuam.
Esse episódio trágico é o retrato fiel de uma gestão que insiste em virar as costas para o serviço público. E o que tem sido feito? A tentativa de resolver o déficit de pediatras por meio da contratação de empresas privadas já mostrou que não funciona. O caso da Medprime, por exemplo, é emblemático: um contrato de mais de R$ 15 milhões para um serviço que prometia 14.048 plantões, mas que mobilizou apenas cerca de 38 profissionais — um número ridiculamente abaixo do necessário. Tanto é que há falhas nas escalas dos chamados “PJs”, por exemplo.
Os registros do Conselho Regional de Medicina mostram que há, hoje, 1.857 pediatras ativos no Distrito Federal. Profissionais existem. O que falta é vontade política para contratá-los de forma digna, por meio de concurso público, com salários justos e estrutura adequada. A resposta está diante dos nossos olhos, mas a gestão insiste em fingir que não vê.
O SindMédico denuncia esse descaso há anos. A cada época de doenças sazonais, cobramos planejamento e soluções duradouras — e sempre nos decepcionamos com a omissão e a falta de ação concreta por parte do governo.
A política de desmonte do SUS tem consequências diretas e graves. Ela causa sofrimento às famílias, desassistência aos pacientes, adoecimento dos profissionais, violência nas portas das emergências e mortes evitáveis. É o SUS que está sendo atacado. É a saúde das nossas crianças que está sendo negligenciada.
A quem interessa o colapso da pediatria no Distrito Federal? Com certeza, não à população. Já passou da hora de virar esse jogo. Defender o SUS é lutar por uma saúde pública forte, acessível e resolutiva.