Um paciente aposentado e portador de diabetes tem ido religiosamente à Unidade Básica de Saúde 2 (UBS), de Samambaia, nos últimos seis meses. Seu objetivo é simples: ajustar a medicação que controla sua glicemia e receber orientações médicas que poderiam evitar complicações graves. No entanto, a resposta que ele ouve é sempre a mesma: “Hoje não tem médico.” Sem o acompanhamento necessário, o paciente enfrenta picos de glicemia cada vez mais frequentes, enquanto sua frustração e angústia só aumentam.
A história deste paciente, contada em uma matéria do Bom Dia DF, não é única. No Distrito Federal, o cenário é desolador. Das 176 UBSs em funcionamento, 21 estão completamente sem médicos. Atualmente, apenas 645 médicos atuam na atenção primária, um número que não atende às necessidades de uma população crescente e dependente do SUS. A chegada de apenas três novos médicos da família, prevista para o dia 22 de novembro, não fecha as contas de uma crise que se arrasta há anos.
E o contraste com o desempenho econômico do Distrito Federal é gritante. Segundo dados da Secretaria de Economia, a arrecadação tributária segue em alta. Em setembro deste ano, o DF arrecadou R$ 2,05 bilhões, um aumento de 20,1% em relação ao mesmo mês de 2023. No acumulado de janeiro a setembro de 2024, o total arrecadado chegou a R$ 18,81 bilhões, representando um crescimento de 16,4% em relação ao ano anterior. Esses números mostram que o problema não está na falta de recursos, mas na priorização da gestão pública. Enquanto a arrecadação cresce, o SUS-DF continua sendo negligenciado, deixando milhares de pacientes desassistidos. Para onde esse dinheiro está indo?
Déficit de médicos: problema é maior do que se imagina
O déficit de médicos nas UBSs não impacta apenas o atendimento primário. Ela desencadeia uma série de problemas que afetam todo o sistema público de saúde. Doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, que exigem acompanhamento contínuo, acabam sendo negligenciadas, levando ao agravamento dos quadros de saúde dos pacientes. Sem alternativas na atenção primária, muitos buscam as emergências hospitalares, que já enfrentam superlotação. Assim, problemas simples, que poderiam ser resolvidos de forma ágil e econômica, tornam-se complexos e caros para o sistema de saúde.
A falta de médicos e a precariedade no atendimento da atenção primária também alimentam a judicialização da saúde: quando pacientes recorrem à Justiça para conseguir acesso a tratamentos, medicamentos, exames que deveriam ser garantidos pelo sistema público de saúde. Embora legítima, essa via judicial resulta em despesas muitas vezes superiores às que seriam necessárias para estruturar adequadamente o sistema.
Diante desse cenário, como venho dizendo há meses, é urgente que ações reais sejam adotadas para reverter essa situação. Em primeiro lugar, é fundamental valorizar os médicos: garantindo salários compatíveis com suas responsabilidades e condições de trabalho que permitam o pleno exercício da profissão. Além disso, é preciso que a SES-DF reorganize as UBSs, com alocação transparente de recursos e distribuição estratégica dos profissionais para atender as regiões mais carentes.
Tecnologias também precisam de melhorias
Quero destacar ainda outro ponto importante: a implementação de tecnologias, como um sistema de informática, que realmente funcione. Uma das principais reclamações dos profissionais de saúde é que o sistema de prontuários eletrônico é falho. E deixa a desejar no que diz respeito ao acompanhamento do histórico dos pacientes. O que é inaceitável em uma rede que fala, agora, em teleatendimento à população. Precisamos que haja coerência entre gestão e ações.
A história do paciente que citei no início deste artigo reflete a fragilidade de um sistema que deveria ser o pilar da saúde pública. Além dele, outros, como uma paciente de Brazlândia, com suspeita de câncer no intestino, enfrentam o mesmo abandono. Ela aguarda há dois meses o resultado de uma biópsia, enquanto sente dores abdominais constantes. Sem médico disponível na sua unidade, foi orientada a ligar na ouvidoria e acabou buscando atendimento na Policlínica de Ceilândia, em um percurso que demonstra a falta de organização e acolhimento no SUS-DF.
A atenção primária é a base do SUS e precisa ser fortalecida para garantir o acesso universal e equitativo à saúde. O SindMédico-DF reforça seu compromisso com os médicos e com a população do Distrito Federal, cobrando medidas efetivas e propondo soluções concretas para transformar essa realidade. Não estamos apenas falando de números, mas de vidas que dependem de uma resposta. A solução para a crise existe, e os recursos, como vimos, estão disponíveis. Falta apenas vontade política.