A crise no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal, o ICTDF, mostra o que deveria ser evidente para todos: a terceirização de serviços pelo Estado fragiliza o sistema público de saúde e o atendimento às necessidades da população. O Instituto, segundo o decreto de intervenção, realiza 85% das cirurgias cardíacas de adultos e 100% das pediátricas. O problema é grave porque a Secretaria de Saúde do DF ficou, por assim dizer, refém do ICTDF no que diz respeito à realização de cirurgias cardíacas e transplantes.
A contratação de serviços privados de saúde pelo SUS, conforme a lei prevê, pode ser feita em caráter complementar. Mas o que ocorreu no serviço público de saúde do DF foi a substituição da prestação de serviço público por serviço privado. E agora, sofremos as consequências disso.
É algo grave e, neste caso específico, se torna ainda mais alarmante pelo fato de que não é a primeira vez que o ICTDF enfrenta uma crise que põe em risco a continuidade da prestação de serviços em saúde em uma área tão sensível.
A primeira vez foi em 2009, quando a Fundação Zerbini deixou a direção do Instituto, depois de dois anos conturbados. Mas, àquela época, o ICTDF era responsável por 20% dos procedimentos de cirurgia cardíaca realizados pelo SUS no DF.
A maioria dos procedimentos cirúrgicos cardíacos eram feitos pela equipe do Hospital de Base, inclusive as cirurgias pediátricas. Estas últimas deixaram de ser feitas lá, em 2011, porque os pediatras da unidade foram transferidos para o Hospital da Criança de Brasília inaugurado naquele ano.
Havia propostas de criar novos serviços de cirurgia cardíaca para adultos no Hospital Regional de Taguatinga e no Hospital Regional do Gama – planos que não saíram da gaveta. Também foi proposto que o Hospital da Criança realizasse as cirurgias cardíacas pediátricas, o que também não se concretizou.
No governo Rollemberg, que deliberadamente precarizou o funcionamento Hospital de Base para entregá-lo à gestão privada, chegou-se ao ponto de os médicos terem que tirar o marca-passo de um paciente para estabilizar outro em condição mais grave. A situação piorou até o limite em que o serviço foi fechado e assim permaneceu por mais de três anos.
As cirurgias só foram retomadas há quatro anos e em quantidade semelhante à de 12 anos atrás, porque não houve ampliação da estrutura para a realização dos procedimentos. Há limitação de profissionais, além de indisponibilidade de salas no centro cirúrgico e de leitos pós-operatórios.
É importante destacar que as instalações físicas do ICTDF são do Hospital das Forças Armadas e que ele sempre foi administrado por instituições privadas. Ele existe em função de um termo de cooperação entre o Ministério da Defesa, o Ministério da Saúde, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Governo do Distrito Federal.
Ele presta serviços ao SUS, mas também tem que atender às demandas do HFA, do Senado e da Câmara dos Deputados. Além disso, tem convênios com planos de saúde e faz atendimentos particulares. Ainda que a atual crise seja superada, é imprescindível que a rede pública de saúde aumente a oferta de serviços próprios de cirurgia cardíaca.
A contratação de serviços de terceiros para complementar a oferta de serviços públicos de saúde à população é legítima, mas apenas quando o Estado não tem como atender à demanda existente. Esse mesmo Estado, porém, tem a obrigação de expandir a oferta dos serviços, porque não pode ser nem deixar que a população seja refém de terceiros no cumprimento da obrigação constitucional de garantir o acesso à saúde a todo cidadão brasileiro.
O GDF ignora os exemplos e experiências do passado na gestão da saúde e improvisa para driblar (sem resolver) os problemas do presente. Pelo bem da população, é necessário começar a tratar a saúde olhando para o futuro, para o aperfeiçoamento e expansão do sistema público do Distrito Federal.