Artigo opinativo, escrito por Dr. Gutemberg
Na véspera da decisão da Copa do Mundo de 1970, na qual o Brasil foi campeão, a escritora Clarice Lispector republicou no Jornal do Brasil um texto de meia página sobre Brasília. O conto, intitulado “Nos primeiros começos de Brasília”, gira em torno de uma mulher que se sente perdida em meio à nova capital do Brasil, refletindo sobre sua própria existência. Isso foi há 54 anos. Ou seja, dez anos após a inauguração da nova capital. E o que ainda me chama muita atenção no escrito é o trecho: “Nunca vi nada igual no mundo. Mas reconheço esta cidade no mais fundo de meu sonho. O mais fundo de meu sonho é uma lucidez.”
Brasília vem de um sonho. E, ao contrário do que é comum na agora chamada melhor idade, após os 60 anos, Brasília não perde a lucidez. A capital do Brasil completa 64 anos, em 21 de abril, com seus cidadãos cada vez mais conscientes do que querem e do que é necessário para viver nestas terras: “a gente não quer só comida”, já diziam os Titãs. A cada nova notícia que sai nos jornais, na internet, na televisão, está muito claro. O povo de Brasília quer o que é direito: saúde, educação, segurança, trabalho, lazer e proteção à infância. Serviços públicos de qualidade.
Então, dos primeiros começos de Brasília, vamos para os recomeços de Brasília. Você que me acompanha deve saber do meu trabalho em frente ao SindMédico-DF. Sou presidente do Sindicato que representa os médicos do Distrito Federal e há anos me empenho na missão de lutar pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Este que, vale lembrar, é uma garantia Constitucional. Constituição essa que, assim como Brasília, também nasceu a partir de um sonho. O de liberdade e de justiça para o povo brasileiro. E é por isso que o povo de Brasília está cada dia mais lúcido. Queremos o que é uma garantia. Queremos o que podem nos oferecer.
Discursos não acalentam mais
Como defensor do SUS, tenho avisado há alguns anos que não adianta fazer discurso de “faremos isso ou aquilo” sem colocar em prática. O planejamento precede a execução. E planejar uma saúde pública sem levar em conta a qualidade de vida daqueles que cuidam da população é só marketing. Propaganda dessas que o consumidor sai da loja direto para o Procon. “Venderem gato por lebre”, dizem. E venho dito: há médicos suficientes no DF. A população não precisa ficar em filas aguardando atendimento. Mas, é preciso dar condições de trabalho. Se não, o que chamam de “estratégia”, essa da qual não temos acesso, vira devaneio. E Brasília está lúcida.
A população de Brasília, no auge dos seus 64 anos, quer mais do que discursos. Obras? Sim, por favor! E postos de saúde com servidores, hospitais equipados, professores nas salas de aula e transporte público de qualidade. “É tempo de ação”, como diz o slogan do atual do governo. E a gente até desculpa os transtornos pelas obras, mas queremos mais do que isso, que rende boas fotos. É preciso parar de sucatear o SUS com argumentos confusos e contas que não fecham. É preciso parar de enxugar gelo com tendas e mutirões. Política pública é feita todos os dias, com continuidade. É preciso prevenir o caos e não tentar consertá-lo. É preciso valorizar a vida: essa que quer dignidade. Brasília agora só vai fechar os olhos para soprar a vela. E o pedido, neste caso, não é segredo: “pedimos mais do que promessas. Queremos o que é direito”.
Parabéns a Brasília, aos nossos cidadãos e ao nosso sonho cada vez mais lúcido.