De um lado, entusiastas (normalmente aqueles que veem perspectivas de lucros com essa tecnologia) anunciam que a Inteligência Artificial será um grande avanço para a humanidade, a “salvação da Terra” dizem. De outro, empresários, cientistas e políticos pedem cautela, pois há riscos de que a IA aprofunde ou traga problemas maiores à civilização.
E nós, cidadãos comuns nos imaginamos em um filme, naquele futuro dos carros voadores, dando ordens ao vento para que as coisas sejam feitas sem que tenhamos de empenhar esforço físico ou intelectual próprios, ou confinados num tubo de nutrição na fazenda humana, servindo de pilha para a Matrix.
Uma análise do pesquisador bielorruso Evgeny Morozov me fez pensar no assunto. O foco de Morozov são as implicações políticas e sociais do progresso tecnológico e digital.
Por analogia, penso na ascensão da internet e da telefonia celular. Desde então, avançamos, mas não resolvemos nossos problemas e nos deparamos com outros novos, só nos adaptamos à alteração na realidade. Até porque os benefícios das novas tecnologias são condicionados pela situação socioeconômica dos usuários.
A telefonia celular aumentou a nossa conectividade: tendo cobertura de rede e pagando a conta, podemos falar com quem quisermos a qualquer hora e de qualquer lugar. Dependendo do trabalho que executamos, podemos estar em um escritório ou numa praia do outro lado do mundo. Desde que tenhamos dinheiro para a viagem.
No entanto, junto com o aumento da conectividade veio um aumento da individualização e do isolamento: é comum vermos famílias e amigos ao redor de uma mesa, cada um de olho no celular, na plenitude da solidão compartilhada. Além disso, os assuntos e obrigações de trabalho extrapolaram as fronteiras dos ambientes profissionais e passaram a nos exigir atenção em qualquer lugar e a qualquer hora.
O sociólogo Richard Sennet fala sobre isso no livro A Corrosão do caráter – Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Sennet aponta que o teletrabalho, ou home office, afeta tanto a organização familiar quanto a forma de interação do indivíduo com o mundo e dimiui o espaço para expressão da individualidade, que é atropelada pela prática laboral.
A “epidemia de solidão”, alardeada na pandemia da covid-19, só se agravou naquele período. Em grande medida, ela se deve à mudança nos relacionamentos humanos advinda do avanço das tecnologias de comunicação: conectividade não é sinônimo de proximidade e conexão. E o distanciamento entre as pessoas tem reflexo direto na saúde mental.
Os potenciais da Inteligência Artificial nas mais diversas áreas da atividade humana são inúmeros – alguns positivos, outros não. E para alguns serão mais proveitosos do que para outros, como em uma eventual desvalorização ou substituição do trabalho humano pela IA, que não recebe salário nem tem filho para criar. Bom para o patrão, péssimo para o trabalhador.
O que podemos afirmar, com certeza, é que a Inteligência Artificial não vai mudar a essência do ser humano, nem os problemas e diferenças que tornam a vida mais difícil. Não podemos terceirizar à tecnologia a responsabilidade nem as implicações do que representa ser humano.