A todo instante, mais de 8% da população do Distrito Federal sofre um tipo de assédio insidioso e sorrateiro. Isso não diz respeito a nenhuma questão identitária de gênero, cor de pele, aparência, herança cultural ou origem. Mas atinge essas pessoas em um dos direitos humanos mais básicos: o de ir e vir. Elas estão impedidas ou encontram obstáculos para se locomover livremente.
Olhe para as ruas da região em que você mora e preste atenção: buracos, barreiras, desníveis, falta de calçamento nas ruas ou mesmo iluminação insuficiente. São coisas que parecem pequenas no movimento do dia a dia, mas são dramáticas nas vidas de uma pessoa em cadeira de rodas, com deficiência visual ou com idade avançada.
Segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios de 2021, o Distrito Federal tem um contingente de quase 108 mil pessoas com dificuldades permanentes de caminhar ou subir degraus. E o Portal de Informações Estatísticas do DF indica haver aproximadamente 135 mil homens e mulheres com idade superior a 70 anos e que, naturalmente, desenvolvem, pela longevidade, maior fragilidade física.
Enquanto são anunciadas obras viárias faraônicas, badaladas e de resultados duvidosos no fluxo de veículos automotores, essas pessoas às vezes não conseguem ir a pé da porta de sua casa até a esquina da quadra (sim, Brasília tem esquinas!) sem risco de se machucar ou tendo que depender de auxílio de terceiros para uma atividade tão trivial. Tem tempo que não vejo questionamentos, muito menos esforços, para tornar os veículos do transporte público acessíveis a pessoas com dificuldades de locomoção. Muitos não vão nem poder fazer uma passagem turística pelo túnel novo de Taguatinga.
Constroem viadutos milionários, mas não emendam nem refazem as calçadas quebradas ou constroem as que nunca existiram. O GDF nem sequer padroniza os acessos às residências e cada um inventa a sua própria rampa ou degrau que, não raro, torna-se uma tortura para o vizinho. O foco é todo na mobilidade urbana, motorizada, e nenhum na mobilidade humana, algo para que venho chamando atenção há anos.
Nas áreas comerciais, a ocupação das áreas públicas seja por equipamentos de bares, restaurantes ou lojas muitas vezes impede a passagem até de pessoas que não têm dificuldade de locomoção. Isso sem contar com a falta de cuidado na disposição dos contêineres de lixo, que são colocados longe de onde possam incomodar os clientes… desde que esses clientes não sejam pedestres que queiram usar uma faixa de pedestres. Na Asa Sul ou Norte, por exemplo, pode ter certeza, vai ter uma lixeira ou um amontoado de sacos de lixo ao lado dela. No mínimo, o cheiro vai incomodar, fora os detritos ao redor.
Nem ao menos se orienta a população em relação ao padrão das edificações. Os projetos precisam levar em conta a largura das portas, rampas de acesso, altura de equipamentos básicos ou mesmo a altura das janelas: uma pessoa que venha a ficar acamada ou limitada a uma cadeira de rodas, muitas vezes fica privada até de ver a rua. É uma espécie de confinamento forçado e uma alienação da capacidade de exercer atividades básicas como a própria higiene.
Com o aumento da longevidade, há que se considerar até mesmo que as famílias passem a considerar a instalação de elevadores em casas de mais de um pavimento. Felizmente, hoje esse não é um luxo inimaginável como já foi em outros tempos. Não é uma questão de ostentar, mas de cuidado com as pessoas idosas ou com deficiências ou doenças que possam limitar a sua mobilidade.
Em breve, seremos uma sociedade com mais idosos do que crianças e temos que preparar a nossa cidade para essa nova realidade. É preciso tornar os caminhos de Brasília mais planos e acessíveis a todos, pois essa proporção de pessoas limitadas ou alijadas de seu direito primordial de ir e vir só tende a crescer. Isso é algo que tem que estar na perspectiva tanto do governo quanto de cada um de nós, se não pelos nossos entes queridos, por aqueles que vivem próximos às nossas casas. Lembram daquela história do mandamento bíblico de amar ao próximo como a si mesmo? É sobre isso.