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Precisamos de médicos qualificados e valorizados

Programa Mais Médicos não é solução

Fim das eleições, novos rumos para o Brasil. A equipe de transição do governo eleito já traça novos planos e, segundo o noticiário, há a discussão da possibilidade de retorno do Programa Mais Médicos, criado em 2013. Um erro. O projeto não deu certo no passado e não será a solução para os problemas da saúde pública no Brasil no futuro.
O primeiro ponto a ser levado em consideração é: apenas médicos não é o suficiente para melhorar o atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Sobretudo, “médicos” sem revalidação de diploma, o que coloca em risco a vida dos pacientes – é importante lembrar. Além disso, para que a saúde pública brasileira seja a potência que pode e deve ser, há de se levar em consideração que qualquer profissional da área precisa de equipamentos, medicamentos, equipes multidisciplinares, estrutura de trabalho, transporte e laboratórios.
Temos isso no SUS de hoje? Não.
Outro ponto a ser analisado pela equipe de transição é: porque não, finalmente, dar vez e voz à Carreira Médica de Estado? Se o objetivo do governo eleito é levar médicos aos rincões do Brasil, enquanto presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e do SindMédico-DF, asseguro: essa é a maneira correta de ocupar os vazios assistenciais do SUS. A PEC 454/2009, que trata do assunto, precisa ser retomada, debatida e aprovada. Ela é a solução não-paliativa, justa e viável para termos médicos em todo o País.
O Programa Mais Médicos, em si, é um problema à saúde dos brasileiros. No passado, quando criado, abriu portas para profissionais que não passaram pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida) e precarizou o exercício da Medicina. Vale destacar aqui a abertura indiscriminada de escolas médicas para atender à promessa de expansão nas vagas de graduação. Lembrando que expandir não é qualificar e nem ensinar.
Hoje, o Brasil tem mais de 360 escolas médicas. Estamos na vice-liderança no número de faculdades de medicina atrás apenas da Índia, que possui 392. Motivo de orgulho? Não. Motivo de preocupação. Muitos desses cursos, mais precisamente 94% segundo dados do estudo Radiografia das Escolas Médicas, não atendem a critérios básicos e deveriam estar na mira do MEC. Além disso, há de se considerar que há uma distância enorme entre o aluno mal formado em uma faculdade brasileira do mal formado em uma na periferia do Brasil. Até nisso é preciso ter atenção.
Outra porta aberta pelo Mais Médicos é o exercício da Medicina sem revalidação de diploma. Importante: a revalidação criteriosa de diplomas é a solução para que egressos, independente da nacionalidade, exerçam medicina de qualidade no Brasil. Aqui, vale a memória do Relatório Flexner, de 1909. À época, das 155 escolas de medicina dos EUA que Abraham Flexner avaliou, apenas 31 apresentavam condições de funcionar.
Em outros países, como Inglaterra, EUA, Portugal, diplomas estrangeiros são submetidos a uma série de avaliações, incluindo formação adicional. Outro dado importante é que nos EUA, há 145 escolas médicas. A população de lá é de 331,9 milhões. A do Brasil é de 214 milhões.
Não revalidar diplomas, dar aval para a abertura indiscriminada de escolas médicas e, sobretudo, continuar não investindo na ampla e complexa estrutura do SUS não é, nem de longe, política pública de saúde. Dizer que faltam médicos no Brasil é uma lenda: são aproximadamente 500 mil, segundo dados da Demografia Médica. Da mesma forma, é inverídico afirmar e errado acreditar que os médicos sozinhos salvarão a saúde pública.
A verdade é que, sozinho, o médico melhora pouco o quadro geral da saúde. Faltam hospitais em todo o País, faltam UPAs, faltam medicamentos, faltam salários e, acima de tudo, falta vontade e seriedade para gerir o Sistema Único de Saúde. De acordo com levantamento do Instituto Ética Saúde (IES), o prejuízo anual da corrupção na saúde é de R$ 22,54 bilhões aos cofres públicos. É urgente que o governo eleito olhe para o seu passado e faça as contas do quanto se perdeu no SUS por desvios, escândalos e más condutas.
Saúde pública não é brincadeira, em especial porque atende, prioritariamente, a população de baixa renda. Não existe paciente de 2ª classe. A medicina de excelência deve ser para todos.
Medidas paliativas não resolvem, em longo prazo, as carências da área. “Melhor do que nada”, como dizem alguns, é fazer o melhor possível: combater a corrupção na saúde, investir no SUS e qualificar os servidores e levá-los a sério.

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