Mutirão de cirurgias no início de uma gestão é a constatação que o governo anterior errou; no final, é a assinatura de um atestado de incompetência dessa gestão. Cada mutirão ou força tarefa, anunciada como realização de governo e benefício à sociedade, representa o sofrimento continuado de dezenas, centenas e até milhares de pacientes que esperam meses, às vezes anos, por procedimentos cirúrgicos que não deviam esperar. Mutirão de saúde é criar dificuldade para vender facilidade.
E esse acúmulo de cirurgias não realizadas não representa só sofrimento humano e mortes evitáveis. Representa sobrecarga das unidades e profissionais de saúde e desperdício de dinheiro público. Prolongar o sofrimento de quem precisa de cirurgias e não consegue implica em retornos frequentes às unidades de saúde e maior tempo de internação – tudo isso aumenta o custo da assistência. Ou seja, a má gestão da saúde custa caro aos bolsos dos contribuintes.
No DF, fazem-se os mutirões (seja com esse nome ou o de força-tarefa) quando a demanda reprimida é grave ou quando o governante se sente incomodado ou ameaçado pela opinião pública. O atual governo recorreu a esse expediente em janeiro de 2019, logo no inicio da gestão; também na campanha do Outubro Rosa de 2021, quando não tinha nada de bom a mostrar; e acaba de anunciar outro, às vesperas do início do período de campanha eleitoral.
Sinal de que, entre um e outro mutirão, faltou gestão para que as filas não ficassem tão longas. Não houve sequer planejamento para que os leitos de UTI liberados do atendimento à covid-19 fossem imediatamente remanejados para a realização das cirurgias reprimidas. Nem se garantiu, no caso da ortopedia por exemplo, os parafusos, placas e outros insumos necessários. Faltam insumos e profissionais em todas as especialidades médicas cirúrgicas e não cirúrgicas da rede pública de saúde do DF.
Com a desorganização da gestão da saúde no DF, os próprios mutirões acabam se tornando meios de burlar a lei e de desvios: de novo as contratações e compras sem licitação, com suspeitas frquentes de sobrepreço e de pagamento por serviços não prestados: deixar chegar ao ponto de fazer mutirão na saúde é também um jeito de criar dificuldade para vender facilidade para desvios de conduta e corrupção.
O próprio Ministério Público de Contas do Distrito Federal apontou isso ao anunciar que acompnharia a execução dos mutirões de 2019. O acompanhamento dos mutirões e forças-tarefas é feito desde 2012 e a ocorrência de desvios e desmandos é frequente nos relatórios dos promotores.
Outra promessa vã feita quando se anuncia mutirão na saúde é “zerar filas”. A assistência à saúde é um processo dinâmico. Mesmo quando conseguirmos colocar o sistema de saúde nos eixos, com a atenção primária funcionando a pleno vapor e fazendo diminuir a demanda por atendimento de maior complexidade, ainda vai haver demanda por cirurgias e procedimentos de maior complexidade.
O sistema público de saúde tem que estar preparado para atender a demanda quando ela chega e não postergar a assistência ao custo do aumento das despesas operacionais, da sobrecarga de trabalho, da superlotação hospitalar, do sofrimento e do aumento dos óbitos evitáveis de pacientes. O SUS funciona todo dia, tem que funcionar planamente e não em parte. Chega de criar dificuldade para vender facilidade. Mutirão de saúde é criar dificuldade para vender facilidade, é contingência.
Quando um governante chega ao fim do mandato anunciando mutirão ou força-tarefa pra zerar filas de cirurgias represadas, o que ele está anunciando é um retumbante fracaso na gestão do sistema público de saúde e o descaso com a saúde da população. O cidadão não pode ficar sofrendo meses a fio, refém da incompetência e da inércia do gestor público responsável pelo sistema público de saúde. Meu ideal para a saúde pública do DF é que nunca mais precisemos realizar um mutirão, porque a saúde de cada cidadão não pode ser adiada, não pode ser ignorada nem desperdiçada. A vida não tem repescagem.