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Os desalentados da Saúde

A área da saúde tem até inflação própria. Tem cartelização – associação de operadoras de planos de saúde na negociação com prestadores de serviços e produtos de saúde para definição de preços dos serviços. Tem concentração de mercado, com essas mesmas operadoras adquirindo hospitais e laboratórios particulares e assumindo o controle de serviços públicos terceirizados pelo Estado, travestidos de Organizações Sociais da Saúde.

Os fenômenos do mundo das relações de trabalho também têm seus paralelos no universo da prestação de assistência à saúde. Eu falo sempre dos “nem-nem” da saúde. Na economia do trabalho, esse grupo é constituído por jovens que não estudam nem trabalham. Na saúde são aqueles enganados, que pagam por planos de saúde que não entregam a assistência que anunciam: são desprezados pela saúde suplementar (a dos planos de saúde) e excluídos do orçamento destinado ao Sistema Único de Saúde, o nosso SUS.

Aqui vou me referir a outro grupo: os desalentados da saúde. O conceito “desalentados” faz referência às pessoas desempregadas que desistiram de procurar emprego porque não têm esperanças de que irão encontrar. Atualmente, constituem um grupo que beira 5 milhões de brasileiros.

Quando falo de desalentados da Saúde não vejo uma situação muito diferente. E não é algo que acontece só nos chamados vazios assistenciais, onde os braços do SUS não chegam ou são raquíticos. Aqui mesmo na capital da República, quem nunca ouviu falar de gente que passa meses e até anos nas filas do SUS para conseguir uma consulta ou uma cirurgia até desistir ou morrer?

Não falta quem gasta o que não tem em clínicas populares. E também não é raro encontrar nas redes sociais anúncios de campanhas de arrecadação, leilões e rifas para pagamento de tratamentos de saúde vitais para muita gente boa que luta contra doenças graves.

Ao mesmo tempo que o SUS é a maior política social de inclusão do mundo, tem obstáculos de acesso que nunca foram derrubados e furos nunca remendados por onde escorrem vidas dos nossos concidadãos e compatriotas. E os governos que se sucedem pouco fazem ou até contribuem para o agravamento desses entraves ao pleno funcionamento do SUS.

Temos um abismo entre os usuários dos sistemas de saúde público e complementar. Aqui no DF, cerca de 70% dependem do SUS e 30% têm plano de saúde. Mas essa estatística varia de bairro para bairro.

Segundo a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio de 2018, em Águas Claras, 71% tinham plano de saúde. Em Ceilândia, esse percentual caia para 18,6%, sendo que 10,6% tinham plano empresarial – com o aumento do desemprego no período de pandemia, não será surpresa que muitos desses tenham o tenham perdido junto com o emprego. E, com isso, estão excluídos também da previsão orçamentária do SUS.

E o que se faz por essa parcela da população? Inauguram-se prédios novos, sem corpo clínico, sem equipamentos nem insumos necessários. Exemplo disso é o chamado “Hospital da Cidade do Sol”, que não passa de um galpão adaptado para funcionar como enfermaria. Tem prédio, mas não tem assistência.

Li uma postagem no Instagram outro dia em que se dizia “plano de saúde de pobre é não adoecer” e nem nisso o GDF ajuda: a atenção primária à saúde, que devia atuar em ações preventivas de saúde está desorganizada e forçada a funcionar dentro de uma cultura hospitalocêntrica, quando o paciente já está doente.

A saúde pública do Distrito Federal já funcionou bem e pode voltar a ser assim. O primeiro passo é estabelecer políticas públicas efetivas na atenção primária para evitar hospitalizações, preencher e aumentar as equipes de profissionais de saúde, equipar e garantir a manutenção dos equipamentos e abastecer adequadamente as unidades de saúde com os insumos e medicamentos necessários para uma assistência digna à população. Depois disso é que se constroem novas unidades de saúde. As que existem, aos trancos e barrancos, funcionam com o que têm, o que não funciona no sistema público de saúde do DF é a gestão desalentadora.

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