Após seis anos e meio de gestão, já quase no fim do segundo mandato, o governo do Distrito Federal ainda fala em diagnosticar a Saúde, enquanto o paciente está morrendo. Em entrevista ao CB Poder, publicada no Correio Braziliense, o secretário de Saúde, Juracy Barbosa, surpreendeu apenas no vocabulário: adotou jargões típicos de executivos da iniciativa privada. No mais, repetiu o roteiro comum a todos que assumem a Secretaria de Saúde do DF. Ele é o sétimo secretário nomeado por este governo, e tenta dar um ar técnico a algo que já se tornou marca registrada da gestão: não há intenção de recuperar o sistema público. O foco é a privatização.
Mutirões e contratos com instituições privadas para cirurgias e procedimentos se repetem a cada ano — mas nunca resolvem a precariedade do SUS no DF. Em 2023, por exemplo, o GDF investiu R$ 24 milhões de recursos próprios para pagar hospitais privados e tentar reduzir a fila de cirurgias eletivas. Também recebeu verbas federais do Programa Nacional de Redução de Filas. Os resultados? Pífios.
A fila segue crescendo, e o dinheiro que poderia fortalecer o SUS continua sendo desviado para a iniciativa privada. Em situações emergenciais, medidas desse tipo até podem ser necessárias. Mas, sem planejamento e sem investimento na rede pública, a prática se torna ineficaz. A Constituição é clara: o dever de prestar assistência é do SUS.
Outro ponto citado na entrevista é a “rotatividade dos leitos”. Quem não conhece o serviço público pode até se surpreender. Mas o problema é antigo e bem documentado — em denúncias do Sindicato dos Médicos, auditorias do Ministério Público e do Tribunal de Contas do DF. Não é um novo estudo que vai trazer descobertas inéditas. Muitos já foram feitos. As soluções já foram apontadas.
De fato, o desperdício na saúde é real — tanto no SUS quanto na saúde suplementar. A ocupação prolongada de leitos é uma parte do problema. A falta deles é a outra face da mesma moeda. Muitas internações seriam evitadas se as Unidades Básicas de Saúde — os antigos postos — fossem resolutivas e não tivessem sido transformadas em pequenas UPAs.
Hoje, o GDF tem priorizado os atendimentos de emergência e de alta complexidade. Essa lógica segue o modelo da iniciativa privada, onde há mais lucro. Já a prevenção e a promoção da saúde foram deixadas de lado. O custo disso é alto: situações simples viram casos graves, que exigem internações e tratamentos caros. Na rede pública do DF, o que não é emergência hoje, será amanhã.
Quando se fala da falta de integração entre os sistemas de prontuário da Secretaria de Saúde, dos hospitais e UPAs do Iges-DF e das unidades básicas, apenas a superfície da questão é arranhada. Na prática, médicos e profissionais de saúde precisam lidar com vários sistemas distintos para atender um único paciente. Até o tempo da consulta médica é desperdiçado por má gestão.
E toda atenção é pouca nessa área. Qualquer tentativa de integrar sistemas na saúde precisa evitar a repetição de escândalos, como o ocorrido com o Trackcare — ainda em uso na Secretaria — envolvido em superfaturamento e desvio de verbas há 20 anos. Esse esquema foi um dos alvos da Operação Caixa de Pandora, que gerou uma crise institucional, um apagão na gestão pública e quase custou ao DF sua autonomia administrativa.
A saúde pública do DF não precisa de jargões ou técnicas de gestão supostamente inovadoras. O que falta são condições reais de trabalho e remuneração justa. É preciso garantir estrutura física adequada, materiais em quantidade suficiente e mais profissionais concursados, com condições para permanecer no serviço público. Também é urgente garantir o fornecimento regular de medicamentos, insumos e a continuidade de serviços essenciais como limpeza, manutenção e segurança.
Relatórios do Tribunal de Contas do DF, recomendações do Ministério Público e diversas ações judiciais já apontaram o que precisa ser feito. As medidas estão ali. Ignorá-las é desperdiçar tempo, recursos e vidas. Mas segui-las — com compromisso real — pode, de fato, transformar a realidade da saúde pública no DF.