O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub) teve um grande mérito: conseguiu superar barreiras ideológicas, políticas e sociais ao unir a população contra uma proposição legislativa que desfiguraria Brasília. A pressão da sociedade civil levou ao veto de 63 pontos do projeto.
O texto já não era o ideal quando foi enviado pelo Governo do Distrito Federal à Câmara Legislativa (CLDF). Lá, ele recebeu 174 emendas e várias delas conseguiram piorar o que já não era bom. Algumas de forma grave, como a emenda que dava à Terracap poderes para comercializar áreas verdes dentro da área tombada da Capital e promover um intenso adensamento populacional às margens do Lago Paranoá.
Entre as várias reportagens críticas, veículos de comunicação apontaram que o texto aprovado pela CLDF permitiria até a instalação de funerárias em postos de combustível. Quero crer que algo tão bizarro não se concretizaria, mas esse fato mostra que a tramitação na CLDF foi, no mínimo, açodada. Alertas e apelos foram feitos aos distritais durante a análise do PPCub, mas foram ignorados. E não é a primeira vez que propostas polêmicas passam pela Câmara Legislativa dessa forma.
A criação do Instituto Hospital de Base, em 2017, e sua posterior transformação em Instituto de Gestão Estratégica de Saúde, em 2018, foram precedidas de protestos e alertas sobre a perspectiva de desvios, aumento de gastos e ineficácia para resolver os problemas da saúde pública do DF. Passados sete anos, essa terceirização na gestão da saúde é objeto de centenas de denúncias, inúmeras investigações policiais e até hoje não teve sequer uma prestação de contas aprovada pelo Tribunal de Contas do DF. E a saúde pública não melhorou.
A mudança da Previdência dos servidores do DF foi outro tema mal avaliado pela CLDF. Para justificar a aprovação da proposta do Governo Rollemberg, em troca de provocar um rombo no fundo previdenciário dos servidores públicos do DF, foi criado um fundo garantidor. Fundo esse que é uma figura mitológica.
Esse fundo recebeu a transferência de imóveis que geram despesa, ações do BRB acima do valor de mercado, que se desvalorizaram. A destinação de recursos pela venda de estatais para compor o fundo nunca se concretizou. E a transferência da renda da cobrança pelo estacionamento em áreas públicas da cidade nunca saiu do papel.
Diferente dessas duas últimas situações, a questão do PPCub gerou um engajamento da mídia e em todos os estratos da sociedade. Restou ao GDF, repetindo o eufemismo usado pela imprensa, “ter a sensibilidade de recuar”. Por ora, o patrimônio urbanístico de Brasília não é tão ameaçado – o que não quer dizer que tenha morrido a pretensão de promover o adensamento populacional, a despeito de todo o impacto negativo que teria.
O recuo em relação ao PPCub mostra que a mobilização social tem o potencial de fazer o governo mudar o rumo de suas ações e corrigir seus erros. E passou da hora de a pressão da população e da mídia focalizar as necessárias mudanças de postura do GDF em relação a assuntos essenciais, como educação, transporte e, em especial, saúde pública.
Infelizmente, o desmantelamento do serviço público que vem sendo promovido ao longo dos anos é um assunto difuso e narrativas difundidas aos quatro ventos distribuem culpas a atores e situações diversas – ora pandemia, ora moradores do Entorno, ora os próprios servidores públicos. Mas a realidade é que a obrigação da oferta de serviços de qualidade à população é do Estado. E a cobrança tem que ser feita de forma tão contundente como foram feitas as críticas que levaram aos vetos aos artigos do PPCub, que desfiguravam Brasília e ameaçavam a perda de título de Patrimônio Cultural da Humanidade.