Os médicos estão em campanha para que o Governo do Distrito Federal inicie negociações visando à reformulação da carreira médica no serviço público. O assunto é urgente e não se resume a uma discussão corporativa, afeta diretamente a vida de centenas de milhares de cidadãos brasilienses. Porque, com a redução do número de médicos, a cada ano, o Sistema Único de Saúde no DF se encaminha a passos largos para o colapso.
Em algumas áreas o colapso já é fato. O próprio GDF admite isso involuntariamente. Quando decretou a intervenção no Instituto de Cardiologia e Transplantes do Distrito Federal (ICTDF), revelou que as unidades públicas de saúde deixaram de fazer cirurgias cardíacas, tornando o DF dependente de serviços terceirizados – e a suspensão dos serviços decorreu de atraso de pagamento do GDF ao ICTDF e do Instituto aos prestadores de serviço subcontratados. E esta foi uma decisão da gestão da Saúde, contra o desejo e as recomendações das equipes médicas.
É dramático e não se trata de caso isolado. Pacientes estão ficando desassistidos em muitas outras áreas.
No Hospital São Vicente de Paulo, serviços ambulatoriais, como o acompanhamento de pacientes autistas, estão sendo desativados. Sem capacidade de atender à demanda, o Centro de Orientação Médico-Psicopedagógica, o COMPP, está encaminhando crianças para o Adolescentro, que já tem sobrecarga de atendimentos. A demora é de meses e até anos para o paciente conseguir o atendimento.
No Hospital Materno Infantil de Brasília acontece a mesma coisa. Lá, já existe um déficit de 22 neonatologistas e 10 outros devem se aposentar este ano. O déficit, que já é de quase 50%, em breve vai chegar a 70%.
No Hospital Regional da Asa Norte, antes do início da pandemia, toda semana havia um dia inteiro para realização de cirurgia de correção de fissuras labiopalatinas. Atualmente, elas só são feitas em um turno, apenas duas vezes por mês. De 16 passaram a ser realizadas só quatro cirurgias mensais.
No Hospital Regional do Gama, o serviço de emergência pediátrica já não funciona há anos e o pronto-socorro de clínica médica, apesar das denúncias feitas desde 2021, não tem capacidade para atender pacientes. Dos médicos contratados ao longo dos anos, quase nenhum ficou, porque as condições de trabalho eram inóspitas.
Este cenário caótico não resulta apenas da falta de planejamento, da desorganização logística e da inexistência de uma política de gestão de recursos humanos. São resultado também das escolhas do GDF que enfraquecem o papel do SUS. Prejudicam e desestimulam os médicos que optaram pela função pública, com graves reflexos nas vidas dos pacientes: unidades de saúde superlotadas, demora no atendimento, filas intermináveis para realização de consultas, exames, cirurgias e tratamentos, inclusive aqueles que precisam de acompanhamento continuado. Além, é claro, da queda na qualidade da assistência que é prestada, agravamento de quadros de doença e, não raro, óbitos que poderiam e deveriam ser evitados.
Nada disso acontece por acaso. De 2014 a 2024, o número de médicos diminuiu 15,7%. De 5.546 profissionais em abril de 2014, chegamos a janeiro deste ano com 4.674. Os salários pioraram, as condições de trabalho se deterioraram, a carga de trabalho aumentou e a violência se tornou rotina nas unidades de saúde. Muitos se aposentam ou pedem demissão porque não conseguem exercer a atividade médica de forma adequada.
O primeiro passo para começar a recuperar o SUS no DF é a contratação de profissionais. No caso dos médicos, é necessário reformular o plano de carreira, cargos e salários, para que eles entrem e permaneçam na função pública
As condições orçamentárias para reerguer o SUS no DF existem e a quantidade de médicos disponíveis no mercado de trabalho do DF é grande. Temos a melhor proporção de médicos por habitante de todo o Brasil. Está nas mãos do GDF assumir a tarefa desse necessário resgate do sistema de saúde. A omissão não é uma opção aceitável, pois implica em sofrimento da população e perda injustificável de vidas.