Os desastres ambientais são fenômenos cada vez mais frequentes e intensos no mundo inteiro. E a razão está diretamente ligada às mudanças climáticas, em especial ao aquecimento global, a ponto de já não serem mais tratados como desastres ou “naturais” . Por isso, uma das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) é o investimento em projetos urbanos saudáveis: o que não acontece ainda no Brasil. E a prova mais evidente disso é a incapacidade das nossas cidades para lidar com fenômenos como o que está ocorrendo agora no Rio Grande do Sul. Ao todo, quase 900 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes que assolam a região – uma das tragédias mundiais recentes.
Situações similares, de maior ou menor gravidade, têm ocorrido, em outras regiões do país, a exemplos das cheias que atingiram a Bahia e Minas Gerais, entre os anos de 2021 e 2022. No Distrito Federal, em janeiro deste ano, as chuvas também fizeram estragos evidentes. Na Asa Norte, onde fica a Universidade de Brasília, pistas ficaram totalmente submersas. E foram muitos os prejuízos em todo o campus. Além disso, longe do Plano Piloto, em cidades como Ceilândia e Samambaia, por exemplo, os temporais arrancaram o pavimento das ruas e causaram diversos danos à população. E o que está sendo feito pelo governo para lidar com situações ambientais extremas e prevenir tragédias?
Sim, caro leitor, é possível prevenir tragédias ambientais. Elas não decorrem apenas de fenômenos da natureza como os governantes insistem em justificar. São fruto de mudanças climáticas, mas se transformam em tragédias humanas devido ao cenário que encontram em nossas cidades: uso inadequado do solo, excesso de impermeabilização, falta de obras de infraestrutura, em particular de canais drenagem e contenção de encostas, além da ausência de projetos de recuperação de matas ciliares, essas que ficam nas margens dos rios. O resultado da negligência dos governos é este: calamidade pública.
Do mesmo modo, as ações “pós-desastre” têm que ser tratadas como política pública permanente em todas as áreas, em especial na saúde. Em 2019, depois da tragédia de Brumadinho (MG) – que fez 272 vítimas fatais e afetou milhares de pessoas em 26 municípios -, o papel do SUS foi fundamental para o acesso à saúde das populações atingidas. À época, o Sistema Único de Saúde estruturou uma série de medidas: protocolo e atendimento, vacinas e até a prescrição para aqueles que faziam uso continuo de medicamentos.
Importante aqui destacar que a falta de estrutura básica, como esgoto e água tratada, o acúmulo de lixo e a poluição, principalmente nas capitais, já causam doenças. Entre elas, como estamos vendo no DF, a dengue. Em casos de enchentes, como essas que estão acontecendo no Rio Grande do Sul, surgem outras enfermidades, como a leptospirose, o tétano, a hepatite A, diarreia aguda e outras. Por isso, mais uma vez afirmo: é preciso fortalecer o SUS.
É preciso haver planejamento, tanto para a mitigação dos danos materiais quanto para a adoção de medidas emergenciais de atendimento às populações afetadas em tragédias.
Isso exige recursos e capacidade instalada no sistema público de saúde para construir em tempo recorde estruturas de suporte, em substituição às unidades de saúde atingidas e impedidas de funcionar. Neste momento, além de muitas outras restrições de ordem logística, o serviço municipal de saúde de Porto Alegre, por exemplo, opera com restrições, já que muitos desses locais estão em regiões de alagamento. Por aqui, em menor escala de gravidade, hospitais e unidades de saúde também ficaram alagados durante os temporais de fevereiro.
Neste momento, Rio Grande do Sul está corretamente focado em socorrer vítimas, reduzir danos e evitar consequências ainda mais graves que as até aqui registradas. Depois que baixarem as águas, muitos outros desafios virão. Mas é preciso retirar destas tragédias alguma lição. Elas nos assustam, mas também nos alertam para a necessidade de preparação e planejamento no Rio Grande do Sul, no Distrito Federal e em todo o Brasil. Como tornar nossas cidades mais resilientes? Catástrofes anunciadas devem ser prevenidas, não repetidas. E isso vale, também, para a saúde dos brasileiros. Como dar resposta a estes fenômenos com um Sistema de Saúde frágil?
Ao Rio Grande do Sul, toda nossa solidariedade, agora e nos dias difíceis que ainda virão. Que o estado tenha condições de se reconstruir com coragem, força e saúde. Meus pêsames àqueles que perderam familiares e amigos nesta tragédia.