Tem coisas que, de tanto serem repetidas, muita gente acaba tomando como verdade: desde o folclórico “manga com leite faz mal” até o “médico não quer trabalhar no SUS”. São dois mitos. Se você não tem intolerância à lactose, a manga com leite não vai causar desconforto nenhum. E, se o governo der condições de trabalho e remuneração digna, não vai faltar médico no serviço público de saúde.
O governador do DF disse outro dia “nós não encontramos esses profissionais (médicos) para contratar… precisamos encontrar uma maneira (de resolver)”. Pois profissionais não faltam: temos mais de 19 mil médicos ativos no Distrito Federal. E as condições para contratar podem ser criadas. No passado, quando Brasília nem tinha a atual estrutura de serviço público de saúde, deu-se um jeito e foram oferecidas condições para atrair médicos das melhores instituições de saúde do País para trabalhar aqui. E, naquela época, a cidade era um lugar um tanto inóspito, um canteiro de obras a céu aberto.
O que precisamos lembrar é que o cargo de médico, como existe hoje no serviço público, nunca foi uma tradição no Brasil nem em lugar nenhum do mundo. Antes, o médico até prestava serviço ao governo, mas recebia por procedimento realizado, por consulta feita. Com a criação do SUS, a partir da década de 90, é que o emprego público na área médica ganhou forma e lugar. E foi a universalização do serviço público que permitiu aumentar a oferta de assistência à saúde da população.
Um estudo feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 2012, mostrava que, em média, 50% dos médicos brasileiros trabalhavam para o SUS. Aqui no Distrito Federal, tínhamos 10.826 médicos e havia 4.559 trabalhando para o SUS. Ou seja, 42% dos médicos do DF atendiam pacientes pelo sistema público de saúde.
Hoje, temos 19.190 médicos ativos dos quais 4.634 atendem os pacientes das unidades públicas de saúde. Ou seja, a quantidade de médicos na cidade aumentou 77% (a população cresceu 7%), enquanto a Secretaria de Saúde do DF só emprega 24% destes profissionais. Tem muita gente no mercado de trabalho para contratar. Mas o fato é que o governo deixou de oferecer as condições para esses profissionais entrarem no serviço público.
É possível voltar a atrair estes profissionais? A resposta é sim. Até porque o orçamento do DF permite isso. O gasto público com a folha de pagamento nunca foi tão baixo desde que foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita a folha em até 49% da Receita Corrente Líquida. Hoje esse gasto está em 34%. Existe margem orçamentária para contratar.
E não se está pedindo ao governo nenhum sacrifício. A insuficiência de médicos foi enfrentada, por exemplo, nos governos de José Roberto Arruda, em 2009, e Agnelo Queiroz, em 2013. Eles sentaram à mesa de negociações com o Sindicato dos Médicos e, a partir do diálogo, foram estabelecidas as condições para que o serviço público fosse atrativo para os médicos. E deu certo! Tanto que um quarto dos médicos que estão no serviço público atualmente foi contratado entre 2010 e 2014.
O primeiro passo para resolver o déficit de médicos no serviço público de saúde do DF é o diálogo que estamos propondo ao governador. Com a oferta de um plano de carreira, cargos e salários atrativo e novas contratações, teremos mais profissionais engajados no serviço público e, naturalmente, maior eficiência no atendimento prestado à população. A própria história, e bem recente, nos mostra isso. O resto é mito.