Com 84 mil casos prováveis de dengue e 35 mortes pela doença, que representam 30% dos óbitos de todo o Brasil, o Governo do Distrito Federal insiste em dizer que não houve falhas na prevenção. Mais ainda: “o mosquito…ele é inteligente”. E os absurdos não param por aí. No último fim de semana, o programa Fantástico exibiu matéria falando sobre o atendimento à população no Hospital de Campanha, em Ceilândia. No entanto, a visão superficial e “romântica” ali colocada não contribui para esclarecer porque chegamos a este ponto.
Na matéria, intitulada “A explosão de dengue no Brasil”, o colega, também médico, Drauzio Varella, ressalta a importância de procurar uma Unidade Básica de Saúde nos primeiros sintomas de dengue. Até aqui, tudo certo. Contudo, mais adiante, referindo-se ao importante trabalho do Hospital de Campanha, ele diz o seguinte: “atende 1400 pessoas por dia, das quais apenas cerca de 20 são encaminhadas para outros centros hospitalares”. E conclui, sem visão mais crítica: “Já imaginou se 1400 pessoas tivessem que procurar atendimento nos hospitais da região? Ia ser o caos na saúde.”
Ia ser o caos? Claramente, a percepção não é de alguém que vive a Brasília real. Aquela…à margem da imagem. O fato é que a rede hospitalar do Distrito Federal já vive o caos. A população, essa com a qual converso todos os dias, está à deriva. Ora resolve-se o problema na UBS, UPA ou em hospitais, ora não há para onde correr. E isso acontece todos os dias! Não é a exceção. Virou regra. Parece que, de fato, a tal “inteligência do mosquito” venceu a capacidade dos nossos gestores de pensar e criar soluções para o problema.
Minutos antes de uma entrevista da secretária de Saúde do DF, outra reportagem, desta vez no Bom Dia DF, que também tratava do aumento de casos de dengue no DF, ouviu o coordenador do Núcleo de Vigilância em Saúde da FioCruz de Brasília, Cláudio Maierovitch. Em sua fala, ele pontuou o que venho dizendo desde o ano passado: “as ações de combate ao mosquito não podem ser interrompidas. E tivemos a interrupção deste trabalho no semestre passado”.
O que venho dizendo?
Claudio termina sua contribuição à matéria afirmando que essa queda de investimentos em ações contra a dengue, que inclui a dispensa de agentes de controle de endemias e o evidente déficit de profissionais de saúde, ocorreu justamente no período mais crítico, “quando começa a ter a multiplicação maior do mosquito”. Segundo ele, “a prevenção para uma epidemia de dengue ela se dá antes do período de maior transmissão. Ou seja, no período da seca”.
Adivinhem o que não foi feito no Distrito Federal? Prevenção!
Embora o valioso trabalho das Forças Armadas, no Hospital de Campanha, seja elogiável e mais do que necessário, o fato é que não podemos falar de dengue sem falar das falhas em prevenção. O mosquito não é mais “inteligente” do que uma estratégia de combate bem feita. Hoje, temos inúmeras opções de controle à dengue. Há tecnologias, há métodos específicos, há profissionais qualificados. O que faltou, sejamos honestos, foi compromisso com a vida.
Agora, o resultado está aí: mortes evitáveis, uma epidemia assustadora (que nos remete à pandemia). E uma gestão que é incapaz de assumir seus erros. Chamando a população para o combate à doença como se o único responsável fosse o cidadão. “Pera lá”! Cidadãos e governo trabalham juntos neste caso, É preciso dar a César o que é de César.
E aí, caro colega Drauzio, lhe devolvo a pergunta que não pode deixar de ser feita. Já imaginou se a gestão pública tivesse feito o trabalho de prevenção? Acho que não precisaríamos de Hospital de Campanha. E a saúde não estaria em colapso, sem vagas na rede pública e na particular. E nem teríamos 96,15% dos leitos de UTI adultos ocupados ou 92,59% dos infantis ou, ainda, 98,8% dos neonatais. Já imaginou como seria sem este caos?