Após 17 anos de tramitação no Congresso, o Projeto de Lei 7419 de 2006, conhecido como PL dos Planos de Saúde, voltou a ser debatido. No início de setembro, o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou o relatório da proposta. Entre diversos pontos, o texto estabelece nova norma para coibir reajustes abusivos, a criação de um fundo para doenças raras e, ainda, a proibição dos cancelamentos de contrato de forma unilateral. Sem dúvida, a aprovação das mudanças seria um marco na história da saúde do País. Em especial, levando-se em consideração a vulnerabilidade dos pacientes diante das operadoras e a ausência de investimentos no SUS.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) aponta que os planos de saúde estiveram no topo do ranking de reclamações em nove dos últimos dez anos. As principais queixas incluem os reajustes nas mensalidades, a falta de transparência, a demora na marcação de exames e consultas e dúvidas sobre os contratos. Por dia, a relação nada amistosa entre consumidores e operadoras chega a contabilizar aproximadamente 900 reclamações: dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O fato é que o setor precisa de um novo arcabouço regulatório. O atual é confuso, nada transparente e acaba por deixar quem mais precisa (os pacientes) no limbo em diversas situações. Na outra ponta, diante do prognóstico, mais uma vez o que se revela diante do debate sobre as operadoras é a necessidade de mais investimentos no SUS. Empresas visam o lucro. O Sistema Único de Saúde, não. E essa enorme diferença é o que, de fato, salva a vida dos cidadãos – vide pandemia.
Agora, representantes do setor tentam criar obstáculos para a aprovação do PL7419. Em nota conjunta, eles afirmaram que o relatório “desconsidera peculiaridades do setor e compromete alguns dos pilares fundamentais do seu funcionamento”. Me pergunto quais peculiaridades e quais pilares. Será a parte em que o cálculo dos reajustes é feito com base em um número cabalístico, sem qualquer transparência? Ou aquela na qual o usuário é pego de surpresa quando os planos não cobrem determinados procedimentos? Alguém entende as regras?
De acordo com dados da ANS, 50.493.061 de brasileiros são beneficiários de planos de saúde. Essas pessoas não são incluídas no orçamento do SUS. O que está errado, porque isso acaba gerando uma sobrecarga na saúde pública. Quando as operadoras perdem a mão nos reajustes, sejam individuais ou coletivos, parte desses usuários migra para o SUS. Isso sem contar que, para alguns procedimentos, como os mais complexos, o que resta aos pacientes são os hospitais públicos – porque os planos não cobrem. Vale aqui lembrar: nem sempre o atendimento particular é premium.
Enquanto as operadoras esperneiam para continuarem lucrando, sem se preocupar com questões regulatórias, o SUS sofre sobrecarga há anos. E, caso o PL dos planos não siga adiante, já que o lobby é grande, o que se pode esperar é a continuidade de um cenário de caos na saúde. O investimento na saúde pública precisa melhorar e acompanhar as demandas dos brasileiros. Segundo pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), nos últimos 10 anos, orçamento do SUS cresceu apenas 2,5%. Já os planos de saúde registraram lucro líquido de R$ 2 bilhões somente nos seis primeiros meses deste ano.
“Algo de errado não está certo”, como dizem por aí. É preciso levar o debate sobre as operadoras além e entender de vez que o SUS pode ser o melhor plano de saúde de todos: universal, integral e igualitário.