Imagine se, de uma hora para outra, todos os médicos mais experientes do Hospital de Base do Distrito Federal, nosso HBDF, deixassem de trabalhar lá. Agora imagine que esses outros hospitais não tivessem condição de prestar o mesmo tipo de atendimento de alta complexidade que eles passaram anos aperfeiçoando no Hospital de Base. Isso pode acontecer em pouco tempo, se a Secretaria de Estado de Saúde seguir com medidas como a portaria do último dia 6, a qual impõe que justifiquem a permanência no hospital e indiquem outro local para trabalhar. Os pacientes, no entanto, não terão a opção de acompanhá-los. O resultado é angústia e ansiedade para os médicos e pacientes.
O Sistema Único de Saúde organiza as unidades de saúde por níveis de complexidade. Os postos de saúde oferecem atendimento no nível básico, as UPAs e hospitais regionais estão no nível secundário, quando são necessários mais recursos para dar assistência ao paciente. O Hospital de Base está no topo da pirâmide e lá deveriam ser atendidos os pacientes com quadros mais complicados. O HBDF deixou de ser administrado pela SES-DF, em 2017, quando cedeu servidores para que os serviços prestados não fossem desconitnuados.
E não são só os médicos do Hospital de Base que estão sob essa ameaça. Médicos experimentados que atuam no Hospital Regional de Santa Maria e em algumas UPAs há anos vivem com essa incerteza se vão permanecer trabalhando onde estão: onde já conhecem os pacientes e, até de memória, sabem do histórico de saúde deles.
Essa mudança traria uma série de inconvenientes para cerca de 1.600 servidores da saúde cedidos pela SES-DF ao Instituto de Gestão Estratégica de Saúde, o IGESDF, dos quais 584 são médicos. Muda toda a rotina e organização de vida de quem eventualmente for devolvido. Pior ainda: nas unidades de saúde onde querem que passem a atuar, muitos não vão usar a experiência de assistência que construíram ao longo dos anos.
E os que vão entrar em seus lugares vão precisar de tempo para desenvolver suas habilidades ao nível de seus antecessores. Muito tempo, pois o profissional se aperfeiçoa no dia a dia do atendimento aos pacientes. O diploma requisitado para a contratação é o critério técnico para a contratação, mas a experiência é um valor subjetivo.
O IGES vai encontrar profissionais com diploma, mas não vai encontrar no mercado profissionais com a experiência daqueles que pode perder. O Governo do DF tinha que usar esses profissionais experientes para orientar e preparar a nova geração que vai sucedê-los, mas, em vez disso, optou por subutilizar essa capacidade de trabalho.
A duplicidade no comando e na execução da política de saúde do DF mostra, nesta situação, mais uma contradição maléfica. E não se criam as condições para contratação de novos médicos para o serviço público: os jovens médicos ficam com medo da situação de trabalho em unidades de saúde degradadas, com falta de insumos, excesso de pacientes e, além disso, o salário oferecido não é atrativo.
Depois dessa explicação, volto a convidar: imagine o HBDF oferecendo atendimento a pacientes de alta complexidade nessa realidade que o GDF quer impor. O problema do déficit de profissionais na Secretaria de Saúde não seria resolvido e, pior que isso, os pacientes com os quadros de doença mais delicados é que seriam os grandes prejudicados.
O problema é que o Governo do Distrito Federal não parece olhar para os profissionais de saúde e para os pacientes como pessoas, mas como problemas e números em planilhas. É dessa forma que se faz a gestão da saúde no DF. Nem sempre o que é bom para o gestor é o melhor para o paciente e para o profissional de saúde.