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A interiorização da medicina com sustentabilidade

A interiorização da medicina com sustentabilidade

Para atrair médicos de família para o Sistema Nacional de Saúde (SNS), o governo português anunciou aumento de até 40% para os que forem atuar em localidades mais vulneráveis. O SNS é a versão lusitana do SUS. No Brasil, o edital do Programa Mais Médicos, lançado no dia 19 de maio, reduziu em 21% o valor da bolsa em relação ao que era oferecido pelo Programa Médicos pelo Brasil, que era a versão do programa de interiorização da medicina do governo passado. Quem perde com isso é a população.

E ela perde porque o programa não promove a fixação de profissionais de medicina no interior e localidades de maior vulnerabilidade. O Médicos pelo Brasil oferecia contratos celetistas, com plano de carreira e progressão salarial, para permanência dos médicos após o período de formação de três anos, quando ele adquiriria o título de especialista em Saúde da Família e Comunidade. O atual governo fala em oferta de um incentivo ao final de 48 meses e de renovação da bolsa por mais quatro anos.

Ou seja, mesmo considerando que os participantes permaneçam no período previsto em cada ciclo, a rotatividade vai ser grande. Isso quer dizer que vai ter sempre uma pessoa pouco experiente responsável pela assistência médica às comunidades atendidas pelo programa. Isso não favorece em nada a estruturação do SUS de forma sustentada.

Mas é difícil conceber que um trabalhador, seja ele de qualquer área de atividade qualificada, se disponha a abrir mão de iniciar uma carreira com garantias trabalhistas e as vantagens de viver em um centro urbano estruturado para viver em condições de vida mais limitadas, sem incentivos ou garantias de, no mínimo, uma aposentadoria digna – o Mais Médicos, como não é relação de emprego, não oferece nem a contribuição previdenciária patronal.

A situação do médico bolsista consegue ser até pior do que as modalidades de trabalho temporário criadas pela Reforma Trabalhista de 2017, que foi criticada (com razão) pelo partido que lidera a atual coalizão partidária que comanda o País – não tem como ignorar que tem uma grande incoerência nisso.

E nisso, a forma de contratação do Mais Médicos se mostra uma ameaça aos direitos trabalhistas consagrados do conjunto dos trabalhadores brasileiros. Se é o que se faz agora com médicos, o que garante que essa forma de contratação não vai se estender às demais categorias profissionais? Nem contrato temporário no magistério é tão ruim.

A questão da atração de médicos para o serviço público já é difícil em Portugal, um País sem tantas desigualdades sociais e de desenvolvimento quanto o Brasil tem. Lá, o salário no serviço público é 32% menor do que na iniciativa privada. Aqui, os salários no serviço público, dependendo da localidade, mal chegam a 30% do que oferece a iniciativa privada.

Se quisermos efetivamente estender a assistência básica em saúde a todos os recantos do país, fixar médicos em localidades vulneráveis e também preencher a falta de profissionais nas grandes cidades, temos que resolver esse gargalo. E é por isso que nós, médicos, defendemos a criação de uma carreira médica de Estado e o estabelecimento de um piso salarial nacional, para garantia dos postos de trabalho médico em todas as localidades e provimento permanente de médicos.

Para atingirmos o nível de expansão necessário do sistema público de saúde é necessário garantir um mínimo de estabilidade não só aos médicos, mas a todos os profissionais de saúde necessários para que o SUS se concretize como a efetivação da garantia do acesso universal à assistência à saúde que a nossa Constituição Federal determina que seja.

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