O Sistema Único de Saúde, nosso SUS, foi aprovado por 472 de 559 congressistas no dia 17 de maio de 1988, cinco meses antes do final da Assembleia Nacional Constituinte. A grande dificuldade na tramitação foi a definição da origem dos recursos para financiá-lo. Nessa situação, que nunca muda, o SUS faz milagres.
É o maior avanço que a Constituição Cidadã trouxe ao País. Isso porque estabeleceu os princípios da universalização e da integridade no acesso aos serviços públicos de saúde, posteriormente solidificados na Lei 8080, de 19 de setembro de 1990 (outra data em que se comemora o SUS).
Antes disso, o antigo INAMPS garantia a assistência à saúde a trabalhadores com Carteira de Trabalho assinada e seus dependentes. Quem não estava coberto pelo guarda-chuva da Previdência Social, tinha que recorrer às Santas Casas de Benemerência, outras obras de caridade ou pagar, do jeito que fosse, por atendimento médico. E até hoje, no interior mais profundo, ainda existe a cultura de presentear o médico do postinho com uma galinha, um bolo de fubá, um cuscuz ou outro agrado, como forma de expressão da gratidão do paciente.
Esse é um gesto de simpatia, de apreço e de gratidão de pessoas simples, aquela inocência da convivência no campo. Mas, antes do SUS, a assistência à saúde da população era objeto de proselitismo – tanto no sentido de caridade quanto no sentido de arrebanhamento para adesão a uma crença ou causa – e, assim, uma importante moeda eleitoral: uma dentadura ou uma consulta médica em troca de um voto. Com um par de óculos, então, o cidadão já virava cabo eleitoral.
O SUS veio mudar esse cenário, institucionalizando o acesso à saúde como direito de todo cidadão. Mas a questão do financiamento foi sempre um nó que não desata. As PECs do Orçamento Impositivo, de 2013, e a do Teto de Gastos, de 2015, por exemplo, atingiram em cheio e negativamente o orçamento do Ministério da Saúde. O SUS faz milagres, estica de um lado e de outro, mas não consegue resolver tudo.
A pandemia da covid-19, no entanto, colocou holofotes sobre o SUS e escancarou o fato de que o adequado financiamento da Saúde não pode ser desprezado. Não fosse pelo SUS, teríamos, com certeza, perdido ainda mais vidas para o coronavírus e mergulhado em uma crise financeira pior do que a atual, como ocorreu um século atrás, em função da Gripe Espanhola.
E durante aquela pandemia, tudo foi feito no improviso, porque a estrutura e os profissionais de saúde eram escassos. “Voluntários” foram pegos a rodo nas escolas voltadas para cursos na área de saúde e cidadãos comuns que estivessem na rua, forçados a recolher corpos. Hoje, por mais que insumos, profissionais e leitos sejam insuficientes e a filas por procedimentos sejam demoradas, existe a quem recorrer: o santo SUS.
Santo porque o SUS faz milagres com os recursos que tem e porque é martirizado, de tão maltratado que é: todo mundo fala mal, mas ele é que salva a pátria, como aquela senhora da música do Chico Buarque, a Dona Geni.
O dia no aniversário do SUS devia ser feriado, com festa grande: Carnaval, Natal, Ano Novo, Páscoa e São João em um dia só. Exemplo para o mundo, o SUS é a maior conquista do povo brasileiro dos últimos tempos. Tem que ser aperfeiçoado, sim, mas também tem que ser valorizado e tratado à altura do patrimônio que é.