Nosso planeta está passando por um processo de mudanças climáticas, mas não vamos atribuir exclusivamente a essas mudanças a enxurrada que invadiu a UTI do Hospital Materno Infantil de Brasília, o HMIB. Houve uma chuva forte, mas não podemos deixar de considerar a intervenção humana no ambiente como fator determinante para esse e outros problemas que enfrentamos na nossa cidade e os efeitos deles na saúde da população, mas, às vezes, parece que o GDF esqueceu.
No caso das chuvas, podemos citar o risco de maior incidência de doenças como hepatite, diarreia e leptospirose, rinites e sinusites. De outro, ocorrências externas, como acidentes de trânsito, desabamentos, quedas de árvores e descargas elétricas também geram demanda de atendimento hospitalar.
O mais grave, no entanto, é que as chuvas têm causado problemas nas unidades de saúde. A enxurrada que invadiu o HMIB foi novidade, mas em outras unidades de saúde não é. Todo ano ocorre nos hospitais do Gama e de Ceilândia, por exemplo: quando não é água que entra pela porta, são ralos que transbordam. E isso sem nem citar o que ocorre nos postos de saúde. Imaginem o problema que isso é em um ambiente hospitalar!
É importante lembrar que tanto o HMIB quanto o HRG e o HRC passaram por reformas recentes, mas continuam sujeitos a esses transtornos decorrentes das chuvas.
E a desculpa imediata é “choveu demais”, que tira de foco a dimensão e a raiz do problema no DF. O que ocorre são falhas de gestão, tanto na manutenção predial das unidades de saúde (onde a simples falta de limpeza de calhas provoca estragos e aumenta o risco à saúde dos pacientes) quanto no planejamento da expansão urbana.
Não podemos fechar os olhos para o risco a que ficaram expostos pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde no HMIB. Tampouco podemos minimizar o drama e os eventuais prejuízos de quem ficou com o carro coberto de água e lama no estacionamento do hospital – o que se repete em outras áreas sujeitas a alagamentos.
Existem estudos técnicos que projetam o aumento da população e o crescimento das cidades do DF. Isso permite o planejamento tanto da sustentabilidade da forma que isso virá a ocorrer quanto o dimensionamento dos serviços públicos para o atendimento das necessidades dos cidadãos e manutenção da qualidade de vida.
Isso, infelizmente, não vem ocorrendo. Vemos até cidades surgindo sem previsão e sem reserva de espaços para equipamentos públicos, como hospitais, postos de saúde, escolas, delegacias, quartéis do Corpo de Bombeiros, parques e arborização. Além disso, com um dimensionamento ruim de sistemas viários e de infraestrutura. Tudo isso tem um impacto na saúde. Aliás, o próprio serviço público de saúde funciona com um contingente de servidores subdimensionado.
Os problemas decorrentes do clima na região onde se encontra o Distrito Federal são motivo de preocupação antes mesmo da construção de Brasília. Quando a Missão Cruls realizou os estudos de reconhecimento, entre 1892 e 1894, a baixa umidade relativa do ar foi motivo de atenção de estudiosos, pois teria reflexo na saúde das pessoas. Disso decorreu o represamento da área que se tornou o Lago Paranoá.
Lembro isso para apontar que o mérito de uma boa gestão pública não é dar resposta rápida a desastres e transtornos causados por fenômenos climáticos, mas evitar que eles ocorram, por meio de planejamento, eficiência administrativa e estabelecimento das prioridades corretas na gestão – não é limpar o estrago com rapidez, é evitar que os estragos ocorram. O preço das falhas pode ser cobrado em vidas e em perdas materiais dos cidadãos da nossa cidade, em especial aqueles em situação socioeconômica mais vulnerável.