Soluções paliativas não solucionam problemas estruturais. Nas últimas semanas, com muito orgulho, o Governo do Distrito Federal anunciou a extensão dos horários dos postos de saúde para atender às demandas da pediatria – que têm aumento nesta época do ano devido às viroses respiratórias. Embora a medida possa parecer positiva a olhos nus, a verdade é que ela não resolve o problema do déficit de médicos pediatras.
Deixando claro: minha intenção não é criticar o que é uma solução para o agora. Mas, como venho dizendo em inúmeros artigos, o que mais me preocupa é o para frente, o futuro. Estender horários dos postos de saúde, muitas delas sem sequer segurança para os pacientes e servidores, é uma medida paliativa. Enxuga o gelo, mas não estanca a ferida. A raiz do problema está na falta de médicos e de incentivo para o serviço público: condições de trabalho e salários favoráveis.
O servidor público, concursado da SES-DF, não tem que estar à mercê da falta de planejamento. Você já imaginou se o seu chefe chegasse e dissesse para você que, a partir de amanhã, o horário de trabalho vai até as 22h? Ninguém tem que estar disponível dessa forma. Menos ainda quando falamos de gestão pública, quando o principal interessado é a população. É preciso estratégia, planejamento e capacidade de administração.
A falta de médicos pediatras na Secretaria de Saúde (e não no DF) é uma questão estrutural e complexa, que exige ações mais amplas e de longo prazo. Além disso, é importante lembrar que a extensão dos horários dos postos de saúde não resolve, também, a falta de recursos e equipamentos nessas unidades. Muitas vezes, os médicos não têm acesso aos medicamentos e materiais necessários para realizar procedimentos simples. A começar pela falta de luvas e até de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) – é só nos lembrarmos do auge da pandemia.
De acordo com dados do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), a região conta com pouco mais de 1.600 médicos pediatras atuando nas redes pública e privada. Dados do InfoSaúde (SES-DF), apontam ainda a existência de apenas 467 pediatras na rede pública – incluídos 38 médicos pediatras cedidos ao IGESDF e ao HCB. Ou seja, o gargalo é grande. E, para solucioná-lo, apenas estender horários (sem oferecer condições de trabalho) não resolve.
Há muitos anos, venho lutando por organização no serviço público de saúde do DF. Infelizmente, no entanto, minha briga parece ser eterna. Não tem planejamento. Não tem estratégia. As doenças sazonais da pediatria, para que fique claro mais uma vez, não são novidade no calendário da saúde. Elas existem todos os anos, no mesmo período, com a mesma frequência. Lembro, inclusive, quando na pandemia o mesmo aconteceu. Teve a primeira onda na Europa, aconteceu aqui. Teve segunda onda lá…e aqui, no DF, aguardamos o caos acontecer para tentar contê-lo com medidas paliativas.
É exaustivo estar no papel de crítico quando sabemos que tem solução real para os problemas. A população precisa de atendimento e a saúde é para todos, é um direito constitucional. No entanto, justamente por ser uma garantia para todos, é preciso olhar com cuidado para os profissionais que estão na ponta. Eles também adoecem. Eles também precisam de saúde. E deixá-los à beira de um colapso não é aceitável.
Eu sei que parece utopia, mas houve um tempo (e não faz tanto assim) em que a saúde do DF funcionava e era referência para todo o País. Não me considero um sonhador. Sou, gosto de parafrasear Ariano Suassuna, um realista esperançoso. E é com os pés fincados no chão que tenho certeza: uma outra realidade para a saúde pública do Distrito Federal é possível. Mas, para acontecer, a palavra “planejamento” não pode ser esquecida.