Recebi recentemente, por meio de uma rede social, o vídeo de uma entrevista de um deputado distrital que anunciava ter a solução para um dos problemas da saúde, mais especificamente, a falta de médicos em localidades desassistidas, em situações de difícil provimento de médicos e mesmo aqui no DF: o serviço social estudantil obrigatório ou, “pagar pedágio de cinco anos no serviço público”.
O primeiro equívoco do parlamentar é que não há novidade nenhuma na proposta. E, no encarrilhamento de erros e concepções equivocadas inseridas no discurso casuístico, o político, termina por esbarrar na falta de previsão constitucional e no fato de que não haveria recursos orçamentários disponíveis para a remuneração desses médicos recém-formados.
Hoje existem 358 instituições de ensino da Medicina no País, das quais 40% são públicas. Todo ano são jogados cerca de 35 mil novos profissionais no mercado, dentre eles cerca de 14 mil são egressos de instituições públicas de ensino. Atualmente, o Programa Médicos pelo Brasil disponibiliza 21.527 vagas para médicos atuarem em localidades de difícil provimento (pela distância e pela população pequena, cujos municípios dispõem de poucos recursos orçamentários) e locais de alta vulnerabilidade.
Nem haveria unidades de saúde suficientes para alocar toda essa força de trabalho forçado – prática que, pelo menos como política vigente, foi abolida do Brasil em 1822. Apesar dos erros de concepção, há uma percepção correta na pretensão de proposição legislativa do político em questão: é, de fato, necessário avançar na oferta de assistência à saúde por meio do Sistema Único de Saúde.
Com lastro na realidade, de forma mais sustentada e com respeito aos direitos do trabalhador, o Médicos pelo Brasil ampliou em 18% o número de vagas para participação no programa e adotou critérios técnicos definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, para definir as localidades com real necessidade de auxílio de programa federal para provimento de médicos na atenção primária à saúde da população.
No campo mercado de trabalho e dos direitos do trabalhador, o Médicos pelo Brasil avançou imensamente em relação ao Mais Médicos: aumentou o valor da remuneração, instituiu a contratação dos bolsistas que começam na especialização em Medicina de Família e Comunidade e passam a profissionais com carteira assinada, com todos os direitos garantidos pela CLT e plano de carreira. Antigamente, no programa anterior, a participação era como bolsista e sem direitos trabalhistas, por apenas três anos.
O cenário é infinitamente melhor do que o apresentado quando foi implantado o programa original. Para se ter ideia, a concorrência no concurso para ingresso no Médicos pelo Brasil, em 2022, era de oito candidatos por vaga – quatro vezes maior do que no concurso de 2021.
A contratação pela CLT, sem dúvida, é um avanço em relação à oferta de bolsas e sem comparação com o serviço forçado proposto pelo parlamentar do DF. Mas a solução estruturante adequada para o provimento de médicos no serviço público de saúde, tanto no DF quanto no resto do País, continua sendo a criação de uma carreira médica de Estado e a estruturação da rede de assistência em saúde em graus de complexidade crescente em nível regional.
A solução para os problemas da saúde é complexa. Não temos espaço nem tempo para propostas de solução calcadas em casuísmos políticos e partidários ou interesses eleitoreiros. O relógio da saúde não marca nada menos do que a duração e a qualidade das vidas de cada um de nós.