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O SUS atravessa o deserto da covid sem sinal da terra prometida

Construímos estádios faraônicos para a Copa do Mundo de Futebol, depois fomos flagelados pela praga da covid-19. Nesse paralelo com a narrativa bíblica da saída do povo hebreu do Egito passamos até pela cena de tendas no deserto – hospitais de campanha de lona montados em cidades esvaziadas, com os cidadãos pouco circulando para evitar a contaminação pelo coronavírus.

Muito se falou dos “legados” dos grandes eventos internacionais que foram realizados no país. Muito pouco se concretizou, além dos elefantes brancos em forma de estádios monumentais, uma cidade olímpica meio fantasmagórica subutilizada no Rio de Janeiro, obras inacabadas e muito desperdício de dinheiro público.

Na fase do deserto, a pandemia da covid-19, a sensação de desperdício continua, desta vez com os imensos hospitais de campanha de lona. Tanto dinheiro investido no enfrentamento à pandemia da covid-19 pouco deixa de “legado” à saúde pública – talvez uma quantidade maior de respiradores e camas hospitalares, que se não tiverem manutenção adequada em pouco tempo estarão sucateados.

Aqui no DF, tivemos uma única ampliação, ou melhor, um prédio premoldado anexado ao Hospital Regional de Ceilândia – e feito pela iniciativa privada. O resto foi ocupação provisória do Hospital da PM e de uma área do Estádio Nacional Mané Garrincha. No mais, lona e divisórias.

A quandidade de profissionais de saúde para atendimento à população não aumentou, pois as contratações feitas foram provisórias – há até trabalhadores da saúde que até hoje não receberam todo o pagamento devido pela Associação Saúde em Movimento. Ou seja, parte do aprendizado que os profissionais tiveram na assistência às pessoas internadas por infecção do coronavírus se perdeu, porque aqueles profissionais, ao fim de seus contratos temporários, foram dispensados, não têm vínculo nenhum com a Secretaria de Estado de Saúde, que lhes virou as costas. Outro tipo de desperdício: o de talentos.

Nas unidades tradicionais do sistema público de saúde foram feitas adaptações para acomodar o grande fluxo de pessoas infectadas – também provisórias. Mas tudo tem sido paulatinamente desmontado para retorno à rotina assistencial pré-pandemia. Não que a estrutura fosse suficiente para a demanda que já existia. Continua não sendo: não tem profissionais em quantidade suficiente, não tem insumos suficientes, não tem leitos suficientes. A gestão pública da saúde no DF é um exemplo de esmero em insuficiência – deixa faltar tudo.

Salvo o desempenho de alguns técnicos, a gestão do enfrentamento à pandemia no DF trilhou mais caminhos de interesse político do que epidemiológico, quando não supeitos descaminhos de desvios e corrupção.

Temos um saldo de perdas de vida que poderia ter sido evitado com uma atuação mais eficiente e um contingente de profissionais de saúde extenuado pelo esforço empreendido ao longo dos últimos 22 meses. O SUS, exaltado durante o período crítico da pandemia, continua sendo maltratado, subfinanciado e mal administrado.

O que se poderia esperar da nossa peregrinação pelo deserto da covid-19 é que a gestão pública da saúde tivesse se aprimorado para dar respostas rápidas às deficiências que, mesmo não sendo emergências sanitárias de nível mundial, continuam custando dor, sofrimento e vidas humanas inestimáveis.

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